Johnny e Mariza foram à guerra

Por Eduardo Souza Lima
Foto de divulgação
Animada com a boa recepção que seu primeiro longa-metragem, "Até a última gota", teve no Festival de Manhheim, na Alemanha, em 1981, a produtora Mariza Leão resolveu empatar o dinheiro das vendas internacionais do filme no seu lançamento no Brasil. Resultado: deu com os burros n'água. "Realmente foi ingenuidade demais achar que as pessoas estavam dispostas a lotar os cinemas para ver um documentário sobre o comércio ilegal de sangue", diverte-se. Mariza sabe que sua atividade é de risco e que a intuição é a sua maior arma. Por isso não pensou duas vezes quando decidiu levar às telas o livro "Meu nome não é Johnny", do jornalista Guilherme Fiúza. Mesmo sabendo que ele trata do tipo de tema que costumar afastar patrocinadores: o envolvimento da classe média com as drogas. Para quem já produziu filmes sobre figuras polêmicas como Tenório Cavalcanti e Carlos Lamarca ("O homem da capa preta", de 1985, e "Lamarca, coração em chamas", de 1994, ambos dirigidos por seu marido, Sérgio Rezende), encarar a história de João Guilherme Estrella, garotão da Zona Sul que acaba virando traficante, teria sido até um desafio menor, caso nossa sociedade fosse um pouquinho menos hipócrita. Mas Mariza se empenhou tanto que acabou escrevendo o também o roteiro, ao lado do diretor Mauro Lima. Estrelado por Selton Mello (foto) e Cleo Pires, "Meu nome não é Johnny" (conheça o site oficial do filme) estréia amanhã.
Você assina o roteiro e a produção de "Meu nome não é Johnny", além de ter escolhido o diretor. "Meu nome não é Johnny" é um filme de produtor?
Se você entender que um filme de produtor não quer dizer que não seja um filme do diretor, sim. Mas, em geral, a crítica especializada opõe uma coisa à outra, o que é uma bobagem. "Meu nome não é Johnny" é um filme que nasceu do meu desejo e a ele se somou o do Mauro Lima.
Por que você achou que o livro daria um bom filme?
Ao ler o livro, percebi imediatamente que a história do João Guilherme poderia se transformar num puta filme porque ela contém elementos dramáticos que poderiam sustentar um filme: aventura, transgressão, humor, drama, regeneração. Além disso, o livro tem outros personagens como a dona Marly (velhinha traficante de Copacabana), a dupla de policiais Oswaldo e Wanderley, dentre muitos outros que têm um frescor, um ineditismo sensacional. Além disso, o filme é capaz de se comunicar com platéias que variam de 14 a 50 anos, o que é muito importante. Se vai dar uma boa bilheteria, o deus público irá decidir, mas que eu estou confiante, ah, sim, estou.
O que achou da experiência de escrever o roteiro?
Ih, isso agora vai ser um problema. Porque eu sempre me meti nos roteiros dos filmes que produzi e creio que a maioria dos diretores com quem trabalhei me via como uma boa script doctor. Agora, depois do "Meu nome não é Johnny", eu soltei a franga: adoro escrever, sempre escrevi e vou mesmo tentar me dedicar a roteiros, mesmo que não seja de filmes que eu vá produzir. Se o mercado me vir como uma nova roteirista, vou adorar.
Por que nos créditos se diz que filme é inspirado no livro "Meu nome não é Johnny" e não uma adaptação do mesmo? Muita coisa foi mudada na história original?
Não diria que muita coisa mudou, mas uma adaptação em geral é menos livre do que o nosso roteiro. Nossa maior interferência foi na criação dos diálogos, pois o livro praticamente não tem diálogos. O Mauro Lima é um dialogista genial. Também inventamos bastante as personagens femininas: Sofia (Cleo Pires), Maria Luiza (Julia Lemmertz) e a Juíza (Cassia Kiss). O livro, que aliás, é muito bem escrito pelo Guilherme Fiúza, tinha ma quantidade enorme de personagens e nosso trabalho foi limar, juntar tipos diferentes. O final do filme também não é igual ao do livro, nem a cronologia do filme é a mesma do livro.
O mais difícil num filme com este tipo de tema é não cair nem no moralismo barato e nem fazer apologia às drogas. Você acredita que conseguiu? Foi uma preocupação sua ao escrever o roteiro?
Isso já é um mérito do livro. Todo mundo que leu é unânime em destacar a ausência de maniqueísmo. Esse papo de responsabilizar o usuário pela violência da cidade é, a meu ver, uma enorme babaquice. Juventude é época de transgressão, a questão são os limites que cada um admite para si. "Meu nome não é Johnny" se passa nos anos 80 e 90 e nesta época a questão do tráfico e consumo de drogas era muito diferente da época atual.
Você acha que o filme pode ajudar no debate sobre a legalização das drogas?
Com certeza o filme abre com franqueza esse debate, menos no que diz respeito à legalização e mais no que diz respeito à ausência de estruturas na saúde pública para tratar de dependentes, à negação burra que a classe média insiste em ter quanto a este tema. Ninguém abre o jogo. As famílias preferem contar que seus filhos, netos, sobrinhos têm Aids do que admitir que eles usam drogas. Veja só a dificuldade que eu tive em captar. Parecia que eu estava vendendo cocaína nos salões das empresas... Foi MUITO difícil. Quem acreditou foi a Petrobras, o BNDES, a BBDTVM, a Columbia e, na reta final, o Banco Máxima.
Você acredita que a legalização das drogas possa ajudar a diminuir a violência urbana?
Acredito que sim, mas talvez os traficantes passem a vender armas, sei lá. A questão aqui é socioeconômica.
Acredita que a nossa sociedade está madura o suficiente para debater o tema com seriedade?
Não, não acredito. A classe dominante em nosso país quer falar do índio, da prostituição infantil, do menor carente etc. mas não quer discutir as suas dificuldades, as suas mazelas.
Como você chegou ao nome de Mauro Lima para dirigir o filme?
Inicialmente foi uma sugestão da Kiki Lavigne, da Columbia. Depois isso foi reforçado pelo Selton Mello. Mas o que definiu mesmo foi que o Mauro me ligou, marcamos um encontro, conversamos umas três horas e no final eu perguntei se ele podia voltar no dia seguinte pra assinar o contrato. Ele tinha uma visão muito parecida com a minha e trazia um humor que eu julgava essencial para o filme.
E o Selton Melo e a Cleo Pires, como entraram no filme?
Selton foi o primeiro cara para quem eu enviei o livro (depois que acertei os direitos), antes mesmo de definir o diretor. A Cleo foi uma sugestão do Mauro, que eu adorei.
Nos Estados Unidos, as grandes produtores sabem exatamente os filmes que farão nos próximos anos. No Brasil, as coisas parecem ter melhorado, ainda estão muito ao sabor da sorte. Como ser produtor sem planejamento?
É infernal! Eu só acredito que seja possível ambicionar que o cinema possa mudar de patamar no Brasil se houver carteiras de produtores. Exatamente como é nos Estados Unidos. Filme a filme é tiro ao alvo de bêbado em festa de São João.
Como primeira presidente da Riofilme, como você vê a situação da distribuidora hoje?
A Riofilme deveria ter se transformado em outra coisa que não uma distribuidora há dez anos. Eu já disse isso para o prefeito, para o (presidente da Riofilme) José Wilker, para Deus e mundo, mas agora cansei. O Rio de Janeiro precisa de algo semelhante a CAIC e não de uma distribuidora não competitiva. Na verdade, o Cesar Maia já enterrou a Riofilme há muito tempo, mas o caixão continua aberto. Eu fico muito triste com isso, mas seria preciso que diretores e produtores cariocas se mobilizassem e isso parece mais difícil do que o Romário fazer outros mil gols...
Assista ao trailer de "Meu nome não é Johnny":
Marcadores: Cinema
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