PhD em Cinema Brasileiro: Ruth de Souza, locomotiva do cinema brasileiro, Darcy Ribeiro, samba da Mangueira. Saravá

Por Paulo Henrique Souto
Hoje vou relatar fatos ocorridos numa mesma noite, tempos atrás. Registro sem saudosismo banal, até porque o personagem principal, o saudoso Darcy Ribeiro, está presente na memória de todos e seu espírito será, em 2009, reverenciado pela Escola Estação Primeira de Mangueira no Sambódromo, que ele criou, o que torna a crônica factual como gosta a turma da imprensa. Vamos aos fatos: 15 de outubro de 1993, posse de Darcy Ribeiro na Academia Brasileira de Letras, fui de black-tie com gravata e faixa rosa pink, bem chamativa mesmo - assumo - o que provocou gostosa gargalhada da minha amiga Scarlet Moom tão logo entrei no salão. Darcy, literalmente na berlinda, sentado em uma cadeira enorme, como um trono, no centro do salão, assim que me avistou disse, com cara de menino alegre: "Veja onde estou!" (oiá onkotô, roseanamente falando). Falou faceiro, como sempre foi, e eu, de pronto, o fiz lembrar que, tempos atrás, ele negara aquela instituição. Rimos muito, claro. Com meus olhos de lince, filmo tudo: já com a cerimônia iniciada, entra, discretamente, Oscar Niemeyer. Vendo que não tinha assento, perguntei a uma senhorinha na cadeira em frente se ela poderia ceder seu lugar para dr. Oscar. Assim, mais tarde, ela poderia contar pros netos que "na posse do Darcy Ribeiro, cedi meu lugar para Oscar". Venci pelo argumento. Mas não precisou, alguém do cerimonial da casa já tinha providenciado um lugar para a eminência. Cá com os meus botões, pensei: comunista gentil este Oscar, chegou discretamente, certamente para não ofuscar o brilho do "companheiro" Darcy.

Após a posse, na enorme fila dos cumprimentos, eu me sentia em casa, estava acompanhado de toda a família de Darcy, incluindo seu irmão Mário Ribeiro. São meus conterrâneos e tenho por todos eles um carinho especial, que é recíproco, graças aos céus. Darcy foi colega de escola de meu irmão mais velho, moraram em república em BH. Tinha por mim um carinho de irmão. Finda a posse, no discurso Darcy lembrou que outro mineiro de Montes Claros, Cyro dos Anjos, também fora imortal. Estávamos saindo para comemorar a bela noite, quando Mário Ribeiro, o médico irmão do Darcy, dono de cadeia de cinemas no norte de Minas, vendo Ruth de Souza pede que a chame, pois tinha uma declaração a dar. Trago a diva, faço as apresentações e Mário dispara: "Eu tinha cópias de vários filmes em que você era a protagonista e sempre que os exibia nos meus cinemas, davam ótima bilheteria. Não iria perder a oportunidade de fazer esta declaração". Ruth, no alto de sua sabedoria, olhou para todos do grupo (plano com câmera de Eisenstein, de baixo pra cima), especialmente para mim, o orgulhoso mediador, e disse: "Eu sempre soube que sou uma locomotiva" (para os que não sabem, locomotivas são os atores que, por si só, levam público ao cinema). Grande Ruth, grande noite. Calma, tem mais, plano seqüência: uma mão me puxa pela manga, era Adolpho Bloch, o dono da Manchete. Sempre que eu ia à redação da Manchete levar material dos filmes da Embrafilme ou da Gaumont, empresas em que trabalhei, seu Bloch dava um jeito de pegar o elevador comigo, querendo saber que filme novo estava sendo lançado, e passou a me chamar de "menino do cinema". Corte pra saída da posse: puxando-me pela manga do smoking, seu Bloch pediu: "Menino de cinema, chama o Zé Aparecido aí, preciso falar com ele". Tirei o Zé Aparecido (era ministro da Cultura na época) da roda e Bloch falou: "Zé, pelo amor de Deus, me ajuda, vou perder a TV para um grupo paulista". De novo, pensei com meus botões: eu venho lá de Montes Claros morar no Rio de Janeiro e de repente viro menino de recado, interlocutor de Zé Aparecido e Bloch, para tentar salvar uma TV, é demais. Anos depois com a mesma turma voltamos à Academia para velar Darcy Ribeiro. Antes e durante, bebemos o defunto no Vilarino do outro lado da rua. Loucura felliniana foi aquela noite, o mulherio disputando as honras de arrumar o defunto, umas empurrando as outras, perguntem pra Ana Maria Magalhães. Daria um filme, com certeza. Uma dizia: "Tira estas flores". E outras tantas: "Tira esta bandeira, bota aquela". Darcy, plácido, gélido/quente com tanto carinho, gozava no caixão, com certeza. Tempos depois, como ator, fui fazer a novela "Kananga do Japão", de Tizuka Yamazaki. Sugeri a ela, uma vez que meu personagem era um repórter que entrevistava a estrela da novela, Christiane Torloni, que meu personagem se chamasse Alex Viany, uma maneira de homenagear nosso querido amigo e companheiro de farras. Tizuka achou ótima idéia, mas no dia da gravação, nos estúdios, Tizuka me disse: não podemos prestar homenagem a Alex, seu Bloch não aprovou. Perplexa me contou que Bloch leu o script, a chamou na sala dele e disse que não poderia deixar homenagear Alex, pois tempos atrás, relatou Bloch, ele o mandou fazer uns contatos em Hollywood e nada foi feito, o que atrapalhou a carreira de "grande produtor de cinema no Brasil e no mundo", tão sonhada por ele. Neste dia, entendi porque Bloch me seguia quando ia eu entregar o material de divulgação dos filmes, material entregue muitas vezes ao editor desta revista Zé Pereira, o nosso querido Zé José, ou Eduardo Souza Lima, pra quem não tem intimidade, que trabalhou na "Manchete" e não me deixa mentir. Seu Adolpho Bloch era um produtor de cinema frustado! E dono de TV sem TV. Para terminar, insisto: para que possam ver a nossa locomotiva, os filmes de Ruth de Souza merecem lançamento em DVD. Já. Aguardem o próximo episódio.
Marcadores: Cinema, PhD em Cinema Brasileiro
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