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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Editorial do Estadão

O Brasil do Bolsa-Família


Parafraseando um sucesso de Frank Sinatra, de 1957, I have plenty of nothing, o presidente Lyndon Johnson comentou amargamente, em defesa do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, que os negros americanos tinham muito de nada - e nada era muito para eles. No Brasil, se dizia algo parecido: "Para quem é, bacalhau basta." (À época, o pescado custava uma fração do que custa hoje.) É o que vem à mente quando se lêem, no Estado de ontem, as palavras de Conceição Soares da Silva, mulher de um pedreiro incapacitado, mãe de 5 filhos, moradora do paupérrimo Jardim Elisa Maria, no extremo norte paulistano. "Se não fosse esse dinheirinho, a gente passaria fome", diz ela dos R$ 225 mensais que recebe, parte do Bolsa-Família (R$ 75), parte do Renda Mínima, da Prefeitura de São Paulo.

Conceição está entre os 42,5 milhões de pessoas que formam a parcela mais pobre da população - algo como 22% do total. Ela também está entre os 45,8 milhões assistidos pelo Bolsa-Família, o equivalente a 24,1% dos brasileiros, ou 1 em cada 4. O alcance desse que é um dos maiores programas de transferência de renda do mundo é uma das informações constantes do Perfil das Famílias Beneficiárias do Bolsa-Família, divulgado na terça-feira pelo Ministério do Desenvolvimento Social, responsável por sua execução.

O documento impressiona não apenas por revelar a amplitude a que chegou o programa em um punhado de anos e a sua focalização em geral adequada - uma proeza nada desprezível considerando a extensão do território coberto, o formidável contingente alcançado e o histórico brasileiro de monumentais desvios de verba no assistencialismo tradicional.

Recente estudo do Ipea, por sinal, concluiu que 80% dos quase R$ 8,8 bilhões desembolsados pelo governo aliviam efetivamente a situação dos 40% mais pobres entre os brasileiros. E, desde o advento do programa, a concentração de renda diminuiu 4% no País. Tais dados, porém, remetem apenas à ponta do iceberg do problema que deu origem a projetos do gênero no País, cujos pioneiros foram o falecido prefeito tucano de Campinas José Roberto Magalhães Teixeira e o governador então petista do Distrito Federal Cristovam Buarque. O relatório do Ministério, nesse sentido, suscita dois tipos de cogitações. O primeiro é que ser pobre em países como o Brasil - para não falar dos Estados falidos da África e do subcontinente indiano - é muito diferente do que ser pobre nas nações ao mesmo tempo mais desenvolvidas e menos injustas.

Numa Alemanha, por exemplo, ser pobre é ganhar menos euros do que os outros e, obviamente, consumir menos do que eles. Já aqui, é ser também iletrado ou analfabeto funcional, como são, no primeiro caso, 16% dos responsáveis legais pelo recebimento do benefício, e 40% deles, no segundo. É não ter acesso a bens públicos elementares nos dias atuais, como o esgoto tratado que falta a aproximadamente 2/3 das famílias incluídas no Bolsa-Família - e isso apesar do fato de o cliente típico do programa morar em cidades (69,2% do total).

A outra reflexão provocada pelo estudo do governo é a que se relaciona mais de perto com a frase do presidente Johnson, citada no início deste texto. Tão severa e tão múltipla é a penúria da população da base da pirâmide social brasileira que a ninharia proporcionada pelo programa assistencial é como se fosse uma cornucópia para os seus desvalidos receptores.

A bolsa se destina a famílias com renda mensal per capita inferior a R$ 120. (A cada mês, informa a área federal, entram e saem do programa cerca de 50 mil famílias. Saem ou porque estavam indevidamente inscritas, ou porque não mantiveram os filhos na escola, a principal das contrapartidas exigidas, ou porque passaram a ganhar mais do que aquele teto.) O valor do ajutório varia de R$ 18 a R$ 112; em média, é de R$ 72, ou menos do que a quinta parte de um salário mínimo. Mas isso é o quanto basta para sustentar a extraordinária popularidade do presidente Lula.

Nem todos os bolsistas são necessariamente lulistas. Existem os que nem sequer sabem de onde vem o dinheiro. Mas o desempenho eleitoral do presidente no Nordeste decerto guarda íntima relação com o fato de que ali vive praticamente a metade dos destinatários do programa.

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Plenty of nothing é de Porgy and Bess, ma que catzo. O Sinatra regravou.

23 de agosto de 2007 às 15:30  
Anonymous Anônimo disse...

Hoje é mais fácil ser editorialista.

23 de agosto de 2007 às 15:33  

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