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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

A revitalização do Tempo Glauber já não era sem tempo


Por Estevão Garcia

Dona Lúcia Rocha em uma inspiração profética recolhia tudo que era rabisco e desenho do pequeno Glauber como se pudesse intuitivamente prever que o filho anos mais tarde se converteria em uma das figuras mais importantes da cultura brasileira e que aqueles papéis amassados jogados fora pelo garoto de 7, 8 anos, seriam no futuro alvo do interesse de inúmeros pesquisadores. De fato, Dona Lúcia podia, e sentindo que havia algo de especial no filho, começou desde cedo, bem antes de Glauber se transformar no cineasta mundialmente reconhecido, a recolher os seus vestígios. Mesmo aqueles que eram rechaçados pelo artista no decorrer do processo criativo, como pré-argumentos, idéias soltas anotadas em um guardanapo para não serem esquecidas, esboços de personagens, primeiras linhas de conceitos ainda por serem desenvolvidos; todos eles, sem exceção eram coletados e entendidos por Dona Lúcia como documentos preciosos. O valor desses rascunhos recolhidos com tanto esmero por uma mãe extremamente dedicada, mais tarde se revelariam não só como peças importantes para se compreender o talento individual e o processo de criação do cineasta, mas também como elementos chave para se compreender um específico momento da nossa cultura e da nossa história.

E voltar o pensamento para a cultura brasileira do século XX de um modo geral e para o cinema brasileiro em particular é cair, querendo ou não, próximo ao nome de Glauber. Mesmo aqueles que não admiraram ou admiram o seu cinema, reconhecem na sua figura um elemento primordial para a compreensão do Brasil da década de 60 pra cá. É por esse motivo e pela crescente demanda de estudiosos de todo o Brasil e de outras partes do mundo atrás de suas obras, que se tornou cada vez mais urgente e necessária a revitalização do Tempo Glauber. O antigo casarão situado na Rua Sorocaba 190, por coincidência ou não vizinho do Museu Villa-Lobos, precisava há tempos ser restaurado. Os mais de cem mil documentos e os filmes ali depositados precisavam de melhores condições de armazenamento e conservação. Roteiros, cartazes, desenhos, cartas, argumentos, fortuna crítica, tudo isso necessitava ser digitalizado e disponibilizado pela internet. O empenho da família Rocha em preservar a memória de Glauber, iniciada por Dona Lúcia, prosseguida por sua filha Paloma e agora também por sua neta Sara, que não o conheceu, se constitui em uma verdadeira saga.

A cerimônia de revitalização do Tempo Glauber ocorrida hoje à tarde é apenas o primeiro passo de um delicado e árduo trabalho ainda por ser concluído. O resultado de quatro meses de trabalho e reformas terminou uma primeira etapa, não menos árdua que as que virão. Nela, vemos a inauguração do Centro de Documentação Lúcia Rocha, onde os raros documentos que estavam entrando em fase de deteriorização poderão ser arquivados em condições ideais. O secretário do Audiovisual Orlando Senna esteve presente e foi o que realizou a solenidade de entregar nas mãos da homenageada Dona Lúcia, a dourada placa. O site do Tempo Glauber também está totalmente reformulado. O internauta interessado em pesquisar sobre o cineasta, encontrará agora mais dados e informações. Já está no ar uma primeira versão do site em inglês, para que os pesquisadores estrangeiros também tenham acesso e possam vasculhar o baú glaubereano virtual. Estão previstas para o fim de outubro versões em espanhol e em francês e até o inicio do ano que vem uma em alemão.

O vídeo que nos foi mostrado sobre o processo de conclusão da primeira etapa da Revitalização do Tempo Glauber é interessante por revelar como a equipe está afinada e integrada por esse objetivo. A paixão da família Rocha pelo projeto parece ter contaminado todos os envolvidos. A motivação pessoal que começou pela atitude de uma mãe coruja em querer guardar qualquer papel amassado pelo filho, se multiplicou pelos herdeiros e se desdobraram no interesse de pesquisadores, arquivistas, museólogos, restauradores. A nossa memória é algo extremamente frágil e é tão perecível quanto uma película ou um papel. A História tem a peculiaridade de executar sinuosas voltas e sem a memória para atuar essas voltas acabariam sendo imperceptíveis. Uma dessas voltas da História ocorrerá daqui há duas semanas no Festival de Veneza. Na sua abertura se realizará a primeira projeção pública da cópia restaurada de Idade da Terra e do documentário Anabasis, filme montado por Paloma Rocha e Joel Pizini a partir das sobras de mais de 30 horas do último filme de Glauber. E não é que há exatamente 27 anos, no Festival de Veneza de 1980, o filme não tinha sido exibido pela primeira vez e sido totalmente massacrado? Estaria o Festival de Veneza querendo formalizar uma espécie de pedidos de desculpas? Independentemente disso, temos que celebrar a volta de um dos mais importantes filmes de Glauber e esperar que a sua projeção em nossas telas aconteça logo.

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