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sábado, 6 de outubro de 2007

Quem cala, consente


Por Anna Azevedo

O Festival do Rio poderia ter encerrado sem essa: a lamentável subida ao palco do Odeon do dublê de ator e Presidente da Riofilme, senhor José Wilker.
Minutos antes, José de Abreu assumira o mesmo púlpito para, com graça, anunciar que os bravos soldados rubro-negros haviam barrado o avanço das tropas sãopaulinas. Placar final: Flamengo 1 x 0 São Paulo. O Odeon foi ao delírio. Pura peraltice carioca. A cara do delicioso Festival do Rio.
Mas toda a magia da catarse carioca deu lugar ao espanto ao tomar o microfone o Presidente da Riofilme.
Como todos sabem, o Prefeito do Rio de Janeiro não cumpriu a promessa de patrocinar o maior festival de cinema da América Latina. Em cima da hora, depois de
a logomarca cor de abóbora madura do município estar impressa no material de divulgação do evento, diz o dirigente ser inconstitucional o patrocínio. Justifica, ele: um dos membros da diretoria do festival integra, agora, a cúpula do Governo do Estado. No caso, a secretária de Cultura, sra. Adriana Rattes.
Imerso neste quadro de disparate político, o Presidente da Riofilme sobe ao palco para, com palavras enigmáticas, sem citar nem o santo nem o milagre, pedir "perdão" e emendar, com frases curtas e pausas dramáticas, coisas do tipo o cargo que agora exerce o obriga a se calar (leia-se diante do milagre acima relatado). Que não concorda, mas que é assim. E que o calar-se é uma forma de deixar claro que ele não está de acordo com a postura do Prefeito César Maia. "Me calo" – encerrou, lacônico, profético, apocalíptico. Atuando, como convém a um ator. No papel de: o taciturno presidente da Riofilme.
Bem, o senhor José Wilker é, de longe, o mais controverso presidente que a Riofilme já teve. Ou melhor: como o trabalho dele pouco aparece, não dá nem para criticar as suas ações. Ele é controverso mais por ESTAR no cargo do que por SER o dirigente.
Não entra na cabeça de ninguém que ser ator principal de novela das oito é compatível com cargo de responsabilidade e que exige dedicação como o de Presidente de uma Fundação Pública responsável por um dos negócios mais complexos da cadeia cultural: o cinema.
Seguindo a linha de raciocínio do Prefeito em relação ao Festival do Rio, a Municipalidade não deveria anunciar na TV Globo porque o Presidente da Riofilme é funcionário da emissora. Olho por olho, dente por dente.
Senhor José Wilker: quem cala, consente. E disto nós, brasileiros, de passado recente de repressão política, sabemos de cor. Muitos, o sabem na pele e na alma. Bastava o senhor ter visto, se é que não viu, Memória para uso diário, de Beth Formaggini, melhor documentário do Festival do Rio 2007.
Que Secretário é esse que tem as suas convicções pisoteadas pelo Prefeito (que não está nem aí para a Riofilme, mesmo) e, ainda assim, se mantém no cargo?
A quebra do compromisso de patrocínio é grave. O problema não foi falta de dinheiro. Foi malcriação política. Faz-se política aqui no Rio como criança emburrada que faz beicinho: "Você é feio!". "E você é bobo!".
Porque cargas d'água o senhor José Wilker, um ator classe AA, amado pelo público e sem aparentes problemas financeiros, com certamente mais do que fazer do que não ser ouvido pelo Prefeito, ao ponto de, pateticamente, subir no palco do Odeon para pedir "perdão", continua como Presidente da Riofilme, uma fundação praticamente sem verba, sem força política, esvaziada, a míngua? O que é lamentável. Basta lembrar que a retomada da produção nacional deve-se muito à existência da Riofilme, que segurou as pontas do Brasil inteiro com o fim da Embrafilme.
Mas pior, muito pior do que o senhor José Wilker declarar em tom solene que quem cala não está, necessariamente, consentindo, foi a platéia do Odeon que aplaudiu o silêncio do Presidente-ator.
Como uma classe cinematográfica insatisfeita com os rumos da Riofilme, como a classe cinematográfica do Rio de Janeiro, estado e cidade sem um edital sequer de apoio à produção (os da Riofilme são de quando em quando, e só de curta), aplaude a (não) palavra do senhor José Wilker? Aplaudiria, eu, se ele tivesse pedido exoneração diante de mais esta arbitrariedade do Prefeito em relação à Riofilme – só para não sair das Casas Casadas.
Como aquela platéia, teoricamente educada politicamente – inclusive os documentários vencedores são sobre política - louva estas desastrosas declaração e atuação do senhor José Wilker a frente da Riofilme? Por que hoje em dia ninguém mais vaia nada nem ninguém?
Por que quem se manifesta desta forma é chamado de sem educação?
Por que a vaia deixou de ser uma atitude de protesto para virar uma ação que a classe média tradicionalmente em cima do muro reage meneando a cabeça, oh, mas que horror?
Caro Presidente da Riofilme, já que não concorda com o Prefeito que não dá a mínima para as suas convicções, o que o senhor ainda faz na fundação municipal de apoio ao cinema? Ou será que convicção é motivo pequeno demais para pedir afastamento do cargo?
Eu esperei para que a platéia do Odeon respondesse: "Pede exoneração!".
Mas as pessoas ouviram o Presidente da Riofilme dizer que quem cala, não consente (reinventando o óbvio, ou seja: calar é consentir, omitir-se, sim!) e ninguém reagiu. O Presidente da Riofilme tem seus salários pagos por nós, contribuintes. E teoricamente está ali para zelar pela cultura cinematográfica da cidade. Se suas idéias não são ouvidas, bem, de que adianta estar lá com tanta novela das oito a ser gravada?
Eu, sentada ali no gargarejo direito, ainda comentei comigo mesma, numa reação espontânea ao que ouvira: "ué, pede exoneração, então". Ao meu lado estava Christiane Torloni e apenas ela deve ter ouvido. Mas minha voz, infelizmente, é baixa demais, e ela era a mesma atriz que, meses atrás, foi ao programa do Jô Soares clamar pela volta aos currículos escolares da Organização Social e Política Brasileira, o velho e nada-bom OSPB. A matéria, defendeu Torloni, nos ensinava noções de cidadania. Faz falta. Hoje, não sabemos mais o que é ser cidadão, arrematou.
OSPB, para os que não pegaram este tempo, foi uma cadeira implantada pelo Governo Militar para re-educar o brasileiro sob nova direção.
Realmente, Christiane, você tem razão: se tivéssemos em mãos o domínio do ser cidadão o senhor José Wilker receberia uma resposta pronta à sua lógica do quem cala, não consente. E não poderia exercer jornada dupla com horários convergentes, como acontece ao ser ator e Presidente da Riofilme.
Um cargo municipal é um cargo político, queiram ou não. Política se faz com convicções (pelo menos quando o Verbo era Verbo). E políticos que calam diante de descalabros de superiores repetem a postura dos militares que obedecem a ordens como as de torturar sem esboçar reação, desligando o juízo e o coração. Apenas cumpro ordens! É esta a lógica que o senhor José Wilker diz ser a lógica de seu cargo.
Eu gostaria de uma atitude mais corajosa de um Presidente da Riofilme.
A apatia daquela platéia do Odeon é preocupante. Ali estavam pessoas que, teoricamente, pensam o país nas telas.
E elas se calaram, tal qual o Presidente da Riofilme.

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5 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Pensei o mesmo de minha cadeira, Dona Anna. Também esbocei um "se exonera". Afinal, como fazer um comentário desse e nada fazer? Se ele não pode, quem pode? E como a própria organização do festival não vem a público denunciar este estado de coisas? Todos a espera de uma solução, que não chega. Na exibição de Tropa, na abertura, também ouvi de vários a supresa pela "não vaia". Em tempo de Tropas, parece que só nos sobra isso mesmo. A conformidade, a hipocrisia. E pensar que já tivemos um dos cinemas mais revolucionários deste planeta...

6 de outubro de 2007 às 18:20  
Anonymous Anônimo disse...

É, eu estava lá, também, ouvi isso, achei estranho, na hora também pensei, ué, sai fora!
Deveria ter reagido. A apatia é realmente preocupante. E mais preocupante é quando ela nos pega e a gente nem sente. Que sono é esse no qual nos metemos? Que porcaria esses nossos políticos e dirigentes. Que história é essa agora de ator ficar dirigindo empresa pública? O Cesar Maia tem essa mania, né? Vários já passaram pelo seu governo, tinha aquele cara dos bichos, cujo nome esqueci, o Falabela, o Wilker e outros tantos aí. Além de filhos de atores, filho de Maria Zilda etc e tal. Caramba, agora é que me dou conta. Estranho, isso?

6 de outubro de 2007 às 18:58  
Anonymous Anônimo disse...

Sobre OSPB, acho que cabe uma ressalva. O pai da criança foi João Goulart. A matéria nasceu pelas mãos do Conselho Federal de Educação, em 1962. O objetivo era conscientizar os estudantes para a forma de funcionamento do Estado, os Poderes, as instituições democráticas, etc. Depois, virou a pregação do regime militar, mas isso é outra história.

Um estudo de OSPB sério poderia, sim, ajudar os estudantes a entender como funciona a democracia, para que servem partidos, como conviver com as diferenças, coisas que vimos faltar por exemplo na última campanha eleitoral e nos debates recentes (inclusive e principalmente na mídia) sobre o Governo e o país.

8 de outubro de 2007 às 13:32  
Anonymous Anônimo disse...

Acrescentamdo, um levantamento sobre a adoção da OSPB e seus primeiros livros:

http://www.anpuh.uepg.br/Xxiii-simposio/anais/textos/CLEBER%20SANTOS%20VIEIRA.pdf

8 de outubro de 2007 às 13:34  
Blogger Toinho Castro disse...

faço voz... esse sujeito já era.
credibilidade tem outro nome e esse pessoal não faz idéia de qual seja.

8 de outubro de 2007 às 23:16  

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