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sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Alice ainda mora aqui



Por Estevão Garcia

Primeiro longa-metragem do documentarista Chico Teixeira, "A casa de Alice" inicia-se exalando um nítido desejo de ser uma crônica ou apenas um recorte no cotidiano de uma comum mulher de classe média. O sentido de recorte é evidente porque o filme até a sua primeira metade está mais interessado em esboçar um específico painel cujo eixo central recai em Alice do que propriamente desenvolver uma trama ou estabelecer uma intriga. O que vemos é a captação do dia a dia de uma simples família de classe média paulistana, a descrição das relações entre os seus componentes e os sentimentos, rancores e frustrações que dali aflora. Como já nos foi sugerido pelo seu sintético e direto título, "A casa de Alice" constrói sua narrativa a partir desses dois elementos inseparáveis: Alice e seu lar. A casa, apesar de ser habitada por mais cinco pessoas (a sua mãe, o marido e três filhos) é sobretudo de Alice. Tal afirmação não se baseia apenas na informação de que a protagonista é de fato a provedora do lar, a única que "coloca dinheiro em casa". O motivo que a designa como a autêntica detentora da posse daquela residência é a sua posição ocupada no interior do corpo familiar. Posse, dizemos aqui, mais no sentido simbólico do que material.

Simbolicamente, tudo o que acontece naquele determinado espaço apresenta Alice, a figura da Mãe, como centro organizador. A câmera de Chico Texeira é colada em seu corpo e procura captar cada expressão, cada sorriso e cada gestual. A aparência solta e livre de simplesmente registrar um trecho da vida da protagonista sem a obrigação de se contar uma estória logo se dissolve. Ao acabar a introdução e de já deixar bem construídos o palco e os agentes da narrativa o filme ainda permanece com esse ar documental, fruto da formação do realizador, por alguns momentos. Porém, logo "A casa de Alice" se vê obrigado em compensar o que antes foi descrito com liberdade. Por exemplo: a insinuação feita na primeira parte que Lindomar tinha uma amante adolescente e que ela era justamente a menina confidente de Alice se resolve de maneira frouxa e jogada na segunda. Tudo começa com o diálogo entre Lucas e Júnior sobre a veracidade da escapada de cerca do pai. Na sequência seguinte Alice descobre isso sozinha ao comparar o cheiro da roupa do marido com a Marca do perfume que tinha dado à garota. Corta, Alice está na cozinha com a mãe e aparece a ninfeta para mais uma visita. A mulher traída abre a porta e a recebe a base de bolachas e xingamentos. Relações de causa e efeito como essas são mal trabalhadas, são dispostas sem respiro e ritmo. A explosão de fúria de Alice no momento em que assiste uma briga em casa e a repentina morte de sua cliente / esposa de seu amante também seriam mais alguns exemplos dessa deficiente distribuição de informações.

"A casa de Alice" aparenta ser menos dois filmes em um do que duas propostas agrupadas em um único filme. Essas duas propostas se chocam, são conflitantes. Elementos chave do contexto familiar como a relação incestuosa de Alice com Júnior é apenas sugerida sem que essa sugestão tivesse alguma importância ou relevância. Não seria estritamente necessário o desenvolvimento dessa relação, ela poderia permanecer no ar, em aberto, sem problema algum se o filme continuasse com a sua textura inicial. Porém, em sua segunda parte, "A casa de Alice" quer mais contar do que mostrar. E em sua conclusão ele aparenta desejar operar um retorno à estratégia do começo. Não há conclusão ou finais fechados, a armação volta a ser "frouxa" e não encadeada. Dona Jacira caminha pelo asilo lentamente ouvindo um rádio de pilha. Alice está segurando a mala de sua falsa viagem, tentando ligar para o amante que não quer atender ao telefone. Tudo volta a ser um recorte, uma moldura específica de um processo maior.

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