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quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Meia-noite no cinema


Por Estevão Garcia

"Filmes da meia-noite, da margem ao mainstream" (de Stuart Samuels, EUA, 2005) pretende rastrear o fenômeno dos midnight movies por meio da discussão do sistema de exibição dos filmes que iniciaram e consagraram o "movimento". Eles são: "El Topo" (de Alejandro Jodorowsky, México, 1969), "A noite dos mortos vivos" (de George Romero, EUA, 1968), "Pink Flamingos" (de John Waters, EUA, 1972), "The harder they come" (de Perry Henzell, Jamaica, 1972), "The Rocky Horror picture show" (de Jim Sharman, Inglaterra/EUA, 1975) e "Eraserhead" (de David Lynch, EUA, 1977). Apresentando uma estrutura bastante didática, o documentário começa com pequenos trechos de depoimentos nos quais os diretores em questão proferem frases de efeito selecionadas estrategicamente pela edição, para abrir o filme como se ele também fosse uma espécie de manifesto. Após essas frases, vemos uma série de cartazes de filmes contemporâneos como "Kill Bill" e "South Park". Na banda sonora, o narrador anuncia a tese que o filme quer provar e que já estava explícita em seu subtítulo: a absorção dos midnigth movies pelo mainstream. A tese de que os chamados midnight movies foram tragados pela grande indústria não é novidade para ninguém, porém, o documentário, além de concebê-la como uma grande achado, a utiliza para enaltecer os "filmes da meia-noite".

Claramente encontramos aqui um tom celebrativo e de homenagem ao objeto documentado. Stuart Samuels não adota uma postura distanciada ou analítica em relação a esse conjunto de filmes e, sim, o olhar de um fã que os percebe através da cinefilia. A adesão do documentarista frente ao documentado a priori não é um problema em si. Há diferentes estratégias de se relacionar com o objeto escolhido e uma postura distanciada não é, necessariamente, superior que uma afetiva e pessoal. A questão recai em como essas estratégias são trabalhadas e de como elas interferem organicamente no resultado final. No caso de "Filmes da meia-noite", a completa adesão do diretor o faz se movimentar em apenas uma direção. A sua preocupação de legitimar aqueles filmes, de classificá-los somente como revolucionários, rebeldes e subversivos, bloqueia outras abordagens e interpretações.

O fenômeno dos midnight movie se concentra em um determinado conjunto de filmes produzidos entre o final dos anos 60 e o final dos 70, que a princípio teria desafiado a indústria cinematográfica norte-americana. Filmes que foram produzidos à margem de Hollywood. O que caracteriza e destaca os midnight movie vai além do quesito "ser realizado fora do sistema dominante". Na década de 40, com a chegada de vários artistas vanguardistas europeus aos Estados Unidos se iniciou uma sólida tradição de filmes experimentais. Na década de 50, encabeçado por John Cassavetes, um forte movimento de cinema independente se formou. Podemos mencionar ainda a geração do underground americano dos anos 60, que construiu todo um mecanismo de produção e difusão paralelo: Jonas Mekas, Peter Kubelka, Michael Snow, Andy Warhol e Stan Brakhage. Portanto, se declarar fora do esquema industrial e da grande mídia já não era nos EUA daquele momento nenhuma novidade. O que há de novo na onda do midnight movie e que o documentário tratará de enfatizar é a sua forma de exibição. É a sua maneira de se relacionar com o espectador.

Exibir filmes em sessões especiais, fora do circuito exibidor convencional, também já não era nenhuma atitude ultra-original. Quase ao mesmo tempo em que se forjou um mercado cinematográfico hegemônico, surgiu um paralelo alternativo. Os cineclubes existem desde os anos 20 e começaram conjuntamente com a vanguarda européia da mesma década. Se sessões fora do sistema comercial voltada para um público particular não eram novidade, a conversão dessas sessões em rituais, eram de fato uma proposta diferente. Mais do que uma sessão alternativa, a experiência de assistir a um filme à meia-noite era compreendida como um culto. A sala de cinema se transformava em um templo sagrado e o cinema, através das imagens luminosas que emanavam da tela, em uma religião. Uma religião com os seus próprios rituais e a sua própria maneira de se comunicar com o "divino". No caso, o ritual era acender um baseado e cobrir totalmente a sala com uma densa fumaça. Os mesmos filmes eram vistos inúmeras vezes.

Aqui, além da interação espectador-obra ser diferente da usual, o filme como obra não é o mais importante e sim o ato ritualístico de o assisti-lo. Portanto, estamos em um âmbito em que os termos midnight movie e cult movie se confundem. Para o público que os consome e que se dirige a eles por esse viés, os termos são sinônimos. "Filmes da meia-noite" se concentra em especular como esses filmes eram vistos e difundidos, o que reitera que a suposta originalidade dos midnight movies naquele especifico momento histórico está a cima de tudo no seu esquema de exibição. Apenas no final do documentário, através de uma pequena fala de um dos críticos de cinema entrevistados que ouvimos uma declaração sobre a diferença estética entre esses filmes. O crítico se pergunta qual seria a semelhança formal/estética entre um "El Topo" e um "A noite dos mortos-vivos", por exemplo. Percebemos que as características estéticas que unem esses seis filmes considerados como os pais do midnight movie são superficiais. Os filmes da meia-noite teriam que ter: violência, bizarrices, escatologia, humor negro, ironia, sexo e, além disso, todos esses elementos precisariam ser registrados de uma forma não encontrada no cinema convencional. Um dos entrevistados afirma que não se pode dirigir conscientemente um midnight/cult movie, é o público que o classifica como tal. Logo, nos momentos em que o documentário trilha por esse caminho, o de sublinhar o midnight movie como uma renovada forma de interação com o espectador, ele realiza uma razoável reflexão sobre a recepção cinematográfica. Quando toma a atitude de celebrar com ares de nostalgia tipo "aqueles bons tempos não voltam mais" o filme perde seu interesse e adquire um tom de ode ao passado.

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