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terça-feira, 13 de novembro de 2007

"Tropa de elite" para quem precisa


Falando do filme propriamente dito, hoje rolou uma novidade: ele já é a produção brasileira mais vista nos cinemas este ano. Com 2,040 milhões de espectadores, ele superou "A grande família – Me engana que é um filme que eu gosto", que teve 2,031 milhões.
E já que o assunto é seriado de TV, publicamos abaixo um artigo do leitor Luiz Carlos Lucena, que é jornalista e roteirista, professor de produção de vídeo na Universidade São Marcos (São Paulo). Como bem lembra Lucena em sua carta, e como bem lembrou o crítico Inácio Araújo em seu blog, falou-se mais do filme nas páginas policiais do que nos suplementos de cultura.



"Tropa de elite" e os seriados americanos

Mais que cooptar o público que torce pelo policial-torturador-herói, e a crítica para uma visão do filme como obra "fascista", "Tropa de elite" traz para a cinematografia brasileira o pior do cinema hegemônico norte-americano

Na enxurrada de críticas e comentários sobre Tropa de Elite, o tom dominante foi a discussão do papel do policial-herói, na visão do público, e se o filme é ou não um filme fascista, visão de público e crítica. Uma das poucas considerações com sentido veio de Luiz Eduardo Soares, secretário da Valorização da Vida e Prevenção da Violência do município de Nova Iguaçu, professor da UFRJ e ex-secretário da segurança pública do Rio de Janeiro. Soares já havia exposto o papel de isolamento e carência do menino de rua em "Ônibus 174" (eles querem apenas visibilidade, disse).

Agora acerta ao comentar "Tropa de elite": quem aplaudiu não foi convencido pelo filme, "eles se identificaram com personagem que encarnam seus valores e expressam suas emoções... reagem como se estivessem diante de uma assimetria, que exigisse sucessivos movimentos de reacomodação" (1). Ou seja, fascista é o público!
O ex-secretário – que também é um dos autores do livro que deu origem ao filme – faz uma crítica e mea culpa para a abordagem do filme que mobilizou o imaginário coletivo: "nele o que se ostenta é forte, o que se oculta mais ainda". Aqui, indiretamente, Soares está criticando o processo de representação simbólica presente no filme, que opõe apenas traficantes e bandidos para no final colocá-los no mesmo lugar (não existe diferença entre polícia e bandido) e esquece o entorno, o povo, a favela como um espaço maior de produção de significados. Critica o narrador onipresente – o dono da voz segundo Jean Claude Bernadet (2) – que dá ao filme uma visão autoritária, unilateral.

"Tropa de elite", mais que colocar limites ao reelaborar a produção simbólica rica e diversa da favela, com as imagens redundantes do baile funk, de traficantes armados e policiais subindo ao morro, traz para a produção brasileira o que a cinematografia hegemônica norte-americanos tem de excessivo. O filme adota os mesmos procedimentos técnicos e de linguagem dos filmes que invadem a TV nos trillers e seriados policiais – o plano seqüência feito com câmera na mão, os fatos narrados pelo olho do fotógrafo montados a priori, sem os cortes que caracterizam o cinema brasileiro. O plano sequência que o documentarista Jorge Sanjines, figura expoente da cinematografia latino-americana junto com Glauber e Fernando Birri, usa como marca.

O cineasta boliviano acredita que para representar o povo através do personagem coletivo, e para ele ser mostrado em sua totalidade, o recurso mais apropriado é o plano seqüência, que tira do diretor de certa maneira a autoridade que este constrói com a planificação tradicional do plano médio, do primeiro plano, do close utilizado por Griffith ou do fotograma de Eisentein que procuram criar emoção. O plano seqüência, para Sanjines, abre para a participação coletiva, permite explorar livremente a participação dos atores, personagens que são das próprias comunidades. Os acontecimentos e diálogos são filmados em uma única tomada em plano geral. O campo simbólico ganha expressividade maior, portanto.

Mas não é o que fazem os americanos que "empacotam" o plano seqüência em suas produções baratas e que José Padilha usa em "Tropa", tendo como recurso de apoio uma iluminação naturalista que acompanha a câmera, próxima do real, segundo o diretor, que queria fazer um documentário e terminou com uma ficção documental. O filme não inova, portanto, na verdade é uma cópia do que se faz todas as semanas nas ruas de São Francisco e Nova York, mas traz a modernidade para o cinema de seqüências com muitos planos e cortes que o Brasil adota como norma.

Outra característica que aproxima "Tropa de elite" dos seriados norte-americanos é a forma de abordagem de um tema presente em grande parte dos filmes de sucesso brasileiros dos últimos anos - a favela, a policia e os traficantes, que já apareciam nos filmes que precederam o Cinema Novo ("Rio 40 graus", "Cinco vezes favela") e ganharam contornos atuais com "Noticias de uma guerra particular", de João Moreira Salles, "Cidade de Deus", "Favela rising" e "Ônibus 174". Não sem sentido Bráulio Mantovani repete no roteiro o que já fez e que de certa maneira é uma fórmula que deu certo em "Cidade de Deus" – o narrador off e o ponto de vista circular de personagens para fazer a narrativa. Mas faz o pastiche dos norte-americanos na colocação dos temas que já vimos em dezenas de filmes – o policial em crise conjugal e crise de consciência, o chefe corrupto, o aprendizado do aspirante, que Samuel L. Jackson exacerba e John Travolta vai investigar em "Basic", e já vimos com outros atores conhecidos.

Não é uma crítica, mais uma constatação dos caminhos abertos por "Cidade de Deus" que repercutem no cinema atual. O cinema à procura da bilheteria tenta ir aonde o povo quer, e a dramaturgia da violência continua marcando pontos no ibope das bilheterias.

"Tropa de elite" tem que ser visto por esse prisma, além é claro dos aspectos que movimentam a mídia citados acima. Mas antes de tudo é uma mostra de um cinema brasileiro comercial que quer conquistar espaço – e esqueçam aqui os postulados nacionalistas de Glauber e do Cinema Novo. Cinema é diversão, entretenimento. Mesmo que sob tiroteios e tortura.

1 – "Filme perturba até os 'caveiras' de carteirinha", "O Estado de S. Paulo", 07/10/2007
2 - BERNADET, Jean-Claude – "Cineastas e imagens do povo", Companhia das Letras, São Paulo, 2003

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