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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Do ombudsman da "Folha de São Paulo"

18/02/2008
"Pai, pai, meu braço"
MÁRIO MAGALHÃES
ombudsman@uol.com.br

A Folha deu no alto da primeira página do sábado uma fotografia do memorial pelos cinco mortos na Universidade do Norte de Illinois, vítimas de um atirador que se matou em seguida. A imagem, aberta em cinco colunas, ocupou 328 centímetros quadrados. Tratava de uma suíte --o massacre havia sido noticiado na véspera, com chamada e foto na capa.

Também no sábado, o "New York Times" estampou a fotografia do memorial, com as cinco cruzes, no alto da primeira página. Abriu-a igualmente em cinco colunas, mas em menos espaço que a "Folha", 212 centímetros quadrados.

O "NYT", que eu tenha reparado, não noticiou que, na sexta-feira, uma menina de 11 anos foi morta a bala na favela carioca da Rocinha, durante ação policial.

A "Folha" noticiou com discrição o assassinato, em cidade bem mais próxima de São Paulo que a do campus americano. Deu um microtítulo no pé da capa, sem espaço nem mesmo para um texto de chamada. "Estado" e "Globo" não editaram título na primeira página, mas as opções alheias não devem justificar as da Folha.

A menina se chamava Ágata. O que fazia? Estudava? Morava com o pai ou, como li em outras publicações, passava com ele apenas férias? Onde a velaram? Onde foi enterrada? Em que condições? O que pensava sobre o futuro? Tinha sonhos, planos? Quem era sua mãe?

Nada disso a Folha informou. Teria sido assim em uma operação de 200 policiais (ou muito menos) na qual morresse uma garota de 11 anos em Higienópolis, em São Paulo, ou no Leblon, no Rio?

O problema não foi de apuração na Rocinha, mas da fórmula burocrática e insensível que a Folha adotou para cobrir a morte de pessoas pobres. O pai da menina acusou a Polícia Civil de matá-la. Até ontem, li nos jornais do Rio, não havia sido feita nem perícia na casa onde Ágata foi alvejada.

De que adianta a obsessão com estatísticas de segurança pública se o jornal é incapaz de contar um crime como o de sexta-feira? Leitura por leitura, duvido que a numeralha tenha mais leitores.

A Folha passou a tratar como normal, com reles pés de página, o que não é normal.

Não é normal uma menina ser morta a tiro (ou tiros; o IML emitiu laudo?) em uma operação truculenta, à luz do dia, que teve como resultado marcante a morte de Ágata, e não uma "derrota do tráfico".

A Folha veiculou muito mais detalhes sobre o louco (mais um) nos EUA do que sobre a vítima da Rocinha. Parece submissão cultural, provincianismo. No domingo e hoje, a história da favela sumiu do jornal.

Quanto mais o jornalismo for insensível à barbárie, às histórias que mexem com as pessoas, menos importante será na vida delas.

OK, os leitores da Folha não moram em favela, e a minoria deles vive no Rio.

A questão é que, perdoem-me o lugar-comum sessenta-e-oitista, Ágata poderia ser filha deles, leitores.

O frase que titula essa nota foi dita pela menina pouco antes de morrer.

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