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domingo, 29 de junho de 2008

PhD em Cinema Brasileiro: A kombi na estrada do cinema brasileiro

Por Paulo Henrique Souto


Quem fez tantas "fitas" como ele, o próprio Wilson Grey dizia, está sempre vivo. Reside aí a força do cinema, acredito. Grey pode ser visto toda hora nos filmes exibidos no Canal Brasil e mais algum canal por aí, embora sejam TVs pagas. Uma produtora amiga, quando criaram o Canal Brasil, falou algo, e faz sentido: "É um gueto, pois só será visto por quem tem grana para pagar". E infelizmente, com todo o carinho pelo canal, é fato. Por que não criam leis, como a maioria dos outros países, para que o produto visual brasileiro seja visto nos canais abertos? Fora a TV Brasil, Cultura e Futura, as outras emissoras só de quando em quando exibem nossos filmes e, mesmo assim, a maior delas já tem um acervo particular e seus filmes tem preferência na grade, claro. Vale lembrar Paulo Emilio Salles Gomes, que sabiamente dizia: "O cinema brasileiro diz mais ao povo brasileiro que os filmes estrangeiros". Veiculados na TV, filmes brasileiros resultam em boa audiência, com certeza. Money, money. Corte rápido. Close duplo em Wilson Grey e Humberto Mauro, lembrei-me dos dois estes dias. Mauro me veio à mente pela quantidade de filmes sobre cegueira que anda rolando, inclusive o maravilhoso "Drežnica", de Anna Azevedo, já exibido nas Oropa França e Bahia. Fui em Volta Grande com Alex Viany e lá chegando Humberto estava de cócoras, andando como uma criança, do quarto para a sala do sitio. Perguntei o porquê e ele, fleumático, sereno, respondeu: "Estou treinando andar pela casa sem usar os olhos, pois a tendência é que eu fique cego com a diabetes". Impressionou-me como podia aquele homem que viveu captando lindas imagens com os olhos que Deus lhe deu estar ali, consciente da possibilidade de perder a visão, e sem lamuriar. Mais uma lição de vida do mestre.

Wilson Grey é outro de histórias espirituosas e mirabolantes, a última foi Stepan Nercessian quem me contou. No intervalo de uma filmagem, Grey o levou para conhecer um lugar e lá chegando disse: "Prometa-me que é a primeira e ultima vez que você virá aqui". O lugar era o Jóquei Clube, Grey foi apostar em uma égua de Chico Anísio. De antemão ele sabia que iria ganhar, a chamada barbada, daí ter levado o "garoto" Stepan. Famoso pelo gosto por jogos, Grey jamais fez reserva financeira. E um dia adoeceu, fui visitá-lo em sua casa, seu estado era lastimável, sem recursos para os caros remédios. Saí de lá tonto, tentei e consegui - era difícil, confesso - falar com Boni, relatei os fatos, pedi help e no mesmo dia mandou alguns dólares pra casa do Grey e providenciou para que a TV Globo desse apoio no tratamento. Grey não era contratado. Comprei um caderno e fiz um "Livro de Ouro", dei notas na imprensa da existência do mesmo e o deixei no Estação Botafogo, na Voluntários, o primeiro da rede. As meninas da casa providenciavam para que as doações apontadas no tal livro chegassem à casa de Grey e também organizaram sessões para angariar fundos. Aliviou um pouco a agonia da família. Viajei pelo interior de Minas com Grey, Alex Viany, Elke Maravilha, numa kombi, durante anos o veiculo oficial do cinema brasileiro, lançando, em várias praças, "A noiva da cidade" (1978). Doces lembranças, primeiro porque tinha cinema de rua nas cidades para lançar os filmes, a boa acolhida do povo, encantado, e sessões lotadas. A maioria das cidades, hoje (vejam o clássico "Tapete vermelho", do Luiz Alberto Pereira, o Gal) não tem cinema. Aliado ao prazer e ao privilégio do convívio com pessoas inteligentes e bem-humoradas, no espaço exíguo da kombi. Ganhei, com certeza, mais alguns anos de vida. Na Kombi, eu apontava um bem-te-vi; Elke, na outra janela, apontava uma sabiá. Fomos criados no interior e conhecíamos a fauna e a flora. Alex endoidava, queria ver tudo, mas como um filme, a kombi rolava e o passarinho na janela, no frame seguinte, já era outro, um beija-flor, talvez. Para desespero e encantamento do Alex, eu e Elke começamos a conversar na língua do pê, "vopocepe, sapabepe fapalapa, a linpinguapa do pê?". E travamos longo papo nesta língua e, como se não bastasse, na língua do efe também, fruto de nossa infância no interior. Alex aos berros: "Eu também quero falar!!!". Sugeri que, ele como intelectual, fosse ler um conto de Clarice Lispector todo escrito na língua do pê, quem sabe pudesse assimilar e nos acompanhar. Ríamos muito, Grey, então, se enroscava. Em algumas cidades fomos de avião, como Montes Claros, onde meus familiares prepararam banquetes pro grupo, Grey ficou meu irmão desde então.

Quando comecei a participar de vários filmes, com personagens pequenos, ele dizia que eu seria seu substituto, o que me enche de orgulho. Em 1984 fiz, a convite de José Wilker, participação na novela "Transas e caretas". Na ocasião eu estava trabalhando com assistente de Antonio Pitanga no "Quilombo", de Cacá Diegues, onde fiz uma participação como ator. Por conta do personagem do "Quilombo" eu estava com o cabelo enorme. Para fazer a novela, a maquiagem da TV Globo untava meu cabelo de gel, estava magro na ocasião. No primeiro dia de gravação, perguntei pro Wilker: "Com quem estou parecido?". "Com Wilson Grey", respondeu. Sugeri que meu personagem se chamasse Wilson Gay, Wilker topou. Eu fazia um mordomo e toda vez que a patroa Francisca Moura Imperial (FMI), personagem de Eva Wilma, me encontrava em cena, indagava: "Como é mesmo seu nome?". E eu, orgulhoso, dizia: "Wilson Gay, homenagem ao ator de maior filmografia do planeta". Um dia no beco, na Cinelândia, onde nós de cinema, diretores, atores, a turma da pesada, nos reuníamos para saber do mercado de trabalho, ali ao lado do Teatro Rival, o maquinista Edmilson Finizola, hoje no Sindicato dos Técnicos, fez uma brincadeira comigo dizendo que o Grey estava puto da vida porque alguém (eu) estava mangando dele na TV. Eu o levei para perto do Grey e falei: "Tá gostando do meu Wilson Gay?". Grey respondeu, amável: "Ô Paulinho, meu querido, é você quem está me prestando essa homenagem na TV? Que prazer...", com seu jeito malandro de falar. Gozei a cara do Edmilson e brindamos com uma cerveja. Depois disso, homenageei Humberto Mauro na novela "Corpo a corpo", dirigido por Jayme Monjardim, na pele de um jardineiro, desta feita minha patroa era Malu Mader e me indagava: "Como é mesmo seu nome?". "Humberto Mauro, homenagem ao mineiro, pioneiro do cinema brasileiro". Foi meu jeito de homenagear o bom cinema brasileiro, que vive longe da TV. Aguardem o próximo episódio...

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