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quarta-feira, 23 de julho de 2008

PhD em Cinema Brasileiro: Quilombo, sol e muita chuva

Por Paulo Henrique Souto


Em "Quilombo" (1984), tive o privilégio e trabalhar em três frentes: produção executiva, direção e no elenco - sou registrado no Sindicato dos Artistas e Técnicos nas três funções, esclareço. Cacá Diegues é calmo, prazeroso trabalhar com ele. Jamais eleva a voz, não tem tempo ruim, como acontecia no set de "Quilombo", onde a chuva atrapalhou, e muito, a megaprodução Brasil/França, exibido em Cannes. Na preparação, viajei procurando locações pelo interior do Rio até Minas. Câmera fotográfica na mão, clicava uma bela mata, mas ao me virar para o contraplano, surgia um desmatamento, tornando a locação inviável. No Brasil dos quilombos, a Mata Atlântica reinava exuberante. Plano dois, sob a batuta de Antonio Pitanga, um dos assistentes de direção: ralei muito durante a seleção de atores, vindos de toda parte do Brasil; acompanhando o elenco nas aulas preparatórias, incluindo de artes marciais; e no transporte do elenco no eixo Rio-Xerém. Isso mesmo, Xerém, a mata procurada estava pertinho do Rio. Convocar e providenciar o transporte do elenco para o set, não era tarefa fácil, muitas vezes, em função da chuva, às cinco da matina mudava o plano de filmagens. Acordar João Nogueira de madrugada implicava em buscar um amigo dele em Realengo para me acompanhar até a Barra. João dormia muito tarde, com um revólver debaixo da cama e eu, um desconhecido, batendo à sua porta de madrugada, um risco. Algumas vezes busquei ator em plena Praia de Ipanema. Cena de paixão na coxia: um dia a ex-mulher do Pitanga, com ciúmes, sumiu com uma jovem atriz na hora de rodar, um caos. Enquanto resolvia a melindrosa situação, fui babá de Camila e Rocco, duas crianças arteiras, lindas e fogosas, perguntando por papai e mamãe. Hoje, relembro com carinho, vendo o sucesso da dupla.

Como ator encarnei um soldado-padeiro da tropa do Capitão Carrilho (personagem de Daniel Filho). Nossa missão era exterminar os quilombolas, mas assim que o Capitão Carrilho perde a moral, vendendo as armas para Ganga Zumba (Tony Tornado), o padeiro bate o pé e exige morar no quilombo. É seguido por outros da tropa, incluindo Ana de Ferro, personagem de Vera Fischer (comigo na foto), que enfeitiça o Ganga Zumba. Antes do "rodando", perguntei ao Cacá se poderia, durante a cena, retirar o pano da cabeça e exibir as trancinhas afro, mostrando estar totalmente inserido no universo negro, a tal rubrica no roteiro. Para meu deleite, a sugestão foi acatada e adaptada, ou decupada, a meu favor, e o personagem cresceu. Sebastião Prata, o Grande Otelo, saudoso amigo, adorava brincar comigo na pré-produção do filme, na casa da Rua Icatú, e me alertou, ao me ver ralar tanto: "Trabalho não é meio de morte, é meio de vida". Na mesma hora tirei uma folga. Na pré-estréia, Otelo me zoou com sua voz esganiçada : "É um filme de negros, eu apareço três minutos, e você, muito mais tempo...". Retruquei : "Mas você é 'O' Grande Otelo, ora". Gargalhadas mil. Hoje, na TV, vemos um lindo filme, com caprichada direção de arte produzida na imensa Usina Barravento, montada em Xerém. De lá pra cá, mudou, para melhor, no meu ponto de vista, o comportamento da sociedade com os afro-descendentes. O filme "Quilombo" colaborou, com certeza. Sou grato ao Cacá, Duran, Pitanga e tantos outros. Cena final: Vera Fischer, carinhosa, vendo meu esforço nas madrugadas, dispensava minha companhia até o set , ia sozinha no carro da produção, ordenava: "Vá pra casa descansar, menino". Gente fina à Vera. Impossível citar todos da equipe, é gente demais, incluindo estrelas que hoje brilham no firmamento: Grande Otelo, João Nogueira, Jofre Soares, Dona Zica, Mauricio do Vale, Luiz Carlos Ripper, Carlos Kroeber, Paulão. Viva o cinema brasileiro afro, branco, negro, amarelo, arco-íris de cores mil. Saravá. Até a próxima seqüência.

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Legal, Polique, sabia pouco da sua participação na empreitada. Vou procurar o filme aqui em BH para poder locar e assistir...

A sacada do tirar o lenço foi ótima, reveladora do imbricamento das culturas. E a tirada antropofágica do Otelo, então?! Lindo demais. Destaca a dele, e a nossa, verve.

25 de julho de 2008 às 13:58  
Blogger Carlos Alberto Mattos disse...

Ótimos flashes, Paulinho, como você de babá da Camila e do Rocco. Rocco é a única coisa que presta nesse "Era uma Vez..." que está aí em cartaz. Você deve ter histórias de "A Lira do Delírio" pra contar, não? Se tiver, conte.

25 de julho de 2008 às 18:49  

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