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segunda-feira, 3 de setembro de 2007

A cultura do privilégio

Por Alexandre Negreiros

É maravilhoso ver alguém se posicionar publicamente dessa forma, inflexível com seus ideais, como fez Zé Rodrix (ler texto abaixo). Em minha opinião, esse é talvez o mais importante papel do artista na sociedade. No entanto, há uma questão em sua forma de pensar que, a meu ver, embora demonstre um enorme sentimento cívico e público, é apresentado de forma um pouco equivocada. Um "imposto" é apenas uma das formas de arrecadação dos governos. É um dos tributos que, junto com as taxas (com destinação específica) e as contribuições de melhoria (provisórias e casuais), compõem a receita do estado. O tributo 'imposto', tem como característica a ausência de vínculos com qualquer despesa específica (ao contrário das taxas, a que correponde uma prestação de serviço específica), e existe como forma de custeio, simplesmente para sustentar a máquina estatal em todos os seus interesses, definidos então pelo governo empossado dentro dos limites e obrigações que nossa constituição estabelece. E a cultura é parte disso, há muitos anos.
Mas concordo com ele que verbas públicas prestam-se a atender ao público, e não a um grupo de privilegiados. Mas o apoio à cultura - como o da Lei Rouanet - é tão somente a materialização do reconhecimento de que, mesmo tão importante como o petróleo ou as sandálias havaianas, a cultura brasileira tem "macroeconomicamente" menos investimentos privados do que outros negócios, cujo retorno é menos "simbólico" e mais tangível, mais vendável ali na esquina. E se o governo não ajudar, acaba ou se reduz demais. E as regras da boa administração impõem que os aportes sejam concedidos a partir de certos critérios de habilitação que, abertos ao público - já que qualquer empresa pode candidatar-se a ser uma patrocinadora - vejo como um processo de seleção, e não de concessão de privilégios, à parte os desvios de conduta e outras ilicitudes.
Mas quando se oferece esse material ao público, no capítulo acesso, é notório o fracasso retumbante de nossas leis de incentivo. Se a verba é pública, não deveria haver lugares vagos, ou livro encalhado, ou CD esquecido na prateleira. A Lei não existe para manter produtores e artistas, mas sim a produção da cultura. O problema é que esta só se manterá caso (ainda) haja produtores e artistas, dirão alguns, mas ainda assim, a sobrevivência da classe, de seus profissionais, é outro capítulo, outra esfera de preocupação, e embora tão importante quanto, deve reportar-se a outros esforços. Talvez um "bolsa-produtor", um crédito especial do Banco do Brasil, um "bolsa-artista", ou qualquer bolsa que não seja Luis Vitton, do mais fino couro-de-platéia, conseguidas com ingressos estratosféricos com o qual se lucrou depois de que todos os custos e riscos foram repassados à teta-mestra governamental.
Se irresponsabilidades que premiaram Bengells e Fontes já não são toleradas, ainda há milhares de produções para ninguém, que nos cansamos de assistir em meio à garçons caçando moscas, sob o belíssimo logotipo da Petrobrás em neon, como foram alguns eventos do recente festival de música de cinema no Canecão. Não é só a divulgação que falta (embore jamais autorizaria o tema comunicação a se ausentar desse debate), mas o esforço da distribuição, que aponta para o outro galho do mesmo tronco onde saem as manifestações culturais: a educação. Não se permitem orçamentos sem verba para impostos trabalhistas, mas o compromisso que se exige com a circulação e o acesso é tísico. A liberdade de se estabelecer o valor do ingresso é necessária, mas deve se equilibrar com uma taxa de ocupação mínima, que pode ser solucionada com trabalho sério, leia-se: ingressos e ônibus na porta das escolas públicas, reduções no valor correspondentes às taxas de cadeiras vazias, faixas de preço atreladas à população de baixa renda, etc. Talvez essas bogagens que listei não sirvam, mas certamente criatividade não falta, e sim peito para enfrentar alguns produtores que, se já não se vêm em Nova York, sonham, esbarrando por aqui com a lição que faltou na implantação do capitalismo em nossas terras: ninguém sabe abaixar preços. Se você não viu, é porque não era sensível para detectar, inteligente para digerir ou digno de se esforçar por tanta genialidade e qualidade que, claro, têm seu preço.
Não acho que a Lei Rouanet privilegie os artistas, criadores e sua equipe porque viabiliza a produção deles. O que ela privilegia é a platéia de sempre, os únicos capazes de consumi-la. Mas no país em que o estacionamento de universidades públicas abriga carrões de filhos da iniciativa privada, a cultura não haveria de ser muito diferente. Embora ache que as coisas estão mudando, devagar, mas estão. Não abro mão de meu otimismo, com todo o spread bancário.


Nota da coluna Gente Boa ("O Globo", 29 de agosto):

O musical "O Rei Lagarto - Tributo a Jim Morrison" teve o orçamento de R$ 1,5 milhão aprovado pela Lei Rouanet e estréia em janeiro. O diretor é Luiz Carlos Maciel. Zé Rodrix faz a direção musical. "Jim Morrison é das figuras mais conhecidas dos anos 60. Jovens e coroas adoram os Doors", diz Maciel.

Carta de Zé Rodrix aos produtores do musical

"Acabo de descobrir exatamente nos detalhes desta notícia que não vou mais participar do projeto. Vocês conhecem a minha opinião sobre Renúncia Fiscal e Leis de Incentivo. Enquanto isto era um empreendimento privado, no máximo com os patrocínios e os apoios direitos de empresas que se associariam ao empreendimento, eu estava dentro. Infelizmente, ao entrar na jogada da Lei Rouanet, MiniCul etc., ele se torna impossível para mim.
Não acredito que o dinheiro de TODOS deva servir para patrocinar a aventura pessoal de ALGUNS, e, quando isto se configura, eu saio fora. Investimento deve ser feito com dinheiro real que não prejudique o essencial do país. Impostos devem ter fim específico, e o sustento da arte não é, a meu ver, uma destas essencialidades. Sempre fui um artista que não se privilegiou de nenhum tipo de ligação com estados e governos, em nome de minha própria liberdade. Assim sendo, há que haver em mim algum respeito pelas coisas em que eu acredito. Se entrar nisto, estarei negando tudo que é a minha maneira de ser, pensar e agir. No Brasil de hoje, precisamos de investidores conscientes, e não, segundo minha maneira de ver a realidade, de utilizar de maneira equivocada o dinheiro público.
Desejo ao pessoal da produção o máximo de sorte e sucesso possíveis, e sei que serão muito felizes, graças à qualidade artística de todos os envolvidos."

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1 Comentários:

Blogger Francisco Cardoso disse...

nobre!

4 de setembro de 2007 às 17:38  

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