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sexta-feira, 11 de abril de 2008

Miséria transvestida de Liberdade - mais uma cena da nossa Tragédia Cultural!!


Por Pedro Paulo Rocha*

O poeta Wally Salomão atravessou o barracão em sua permanente teatralização de um Cinema Novo e do Tropicalismo, "a memória é uma ilha de edição", "máscaras, máscaras, precisamos da mentira essêncial", a poesia, o cinema, a poesia, a música, o cinema, o teatro, a poesia, tudo, o novo sem tempo, o povo por vir e o que virá depois do cinema, Glauber em raio de lampião, "o assunto é cinema, o assunto é cinema, o assunto é cinema", os poetas encarnados, loucos, profetas, Leão de Sete Cabeças, o barco no oriente mais próximo, nas águas inventivas da terra, do transe, "medra da miséria do mínimo tirar a possibilidade", o riverão passa lá onde o invisível devora um rio de luz, a próxima cena não será em sonho, mas "um furo no real onde passará uma reta infinita", um surrealismo concreto, de certo, um surrealismo do sul do qual você é a imaginação.

Atravesso labirintos da memória futura dessas cidades, devoro civilizações, idades, explodo vosso corações com furia e som, sou o grito dos barbarizados e sua descrucificação.

O filme será a ezstética da fome porque a fome é fome de tudo, fome de sonho, "passando por cima de todos, a fome universal sempre querendo arrasar tudo, o mundo inteiro a seu favor" porque "a fome tem a saúde de ferro, forte como quem come."

*

No terraço solar o pancinema permanente, quasi-cinema, kynorama, parangolé, evoé, os poetas alquimistas destilando seus sons e cores, insistem no movimento, na mistura, na alternância, no rio corrente das orlas e das marés: sobre imagem projetadas nas águas da Amazônia onde não há luz, só há som, dormem as mutações de novos cinemas, poesias, músicas, teatros arquiteturas.

O poeta na praia depois da morte canta seu poema de gozo e rir, tudo o que é cultura é merda, adubo essencial, o resto é o que não perdurará mais que uma vida. "o que é bom para o lixo é bom para poesia."

Vou ser devorado a cada carnaval , venham vamos a orgia final, a antropofagia dos guerreiros, a invenção de outra vida.

*

O absurdo não estava no filme, mas na realidade, o filme é que era a nossa realidade mais absurda refletida em nosso espelho estilhaçado. Um escritor no asilo meio padre metaforicamente sem materialidade, lê uns versos de outro poeta, seus olhos em fogo até perder a visão: "por fim a realidade prima/ e tão violenta que ao tentar apreendê-la toda imagem rebenta", esses versos entre-cortados no meio da seqüência seguinte para provocar diretamente tudo o que pode ser o cinema quando se faz da vida uma arte da transfiguração. Um personagem intelectual analfabeto em poesia, o outro é um democrata do capital fazendo graça e esfumaçando.


O palhaço mad in globo no deserto cinematográfico completamente tomado pela mesmice estética faz sua cena, a sua única cena fora da privada que geralmente o vejo - só podia falar merda, problema grave de alimentação em nossa mediocre digestão cultural que não compreende e não quer compreender o que é uma arte nova, porque simplesmente ignoram a importância da invenção que nasceu por esses trópicos nas décadas de 60 e 70. Querem datar, ridicularizar o que é a obra de uma infinita criatividade para os contemporâneos e para as gerações futuras.

A ignorância violenta do mercado não engana, articula no discurso e propaga o apartheid cultural e econômico, a ignorância não dá mole, vacilou eles mandam ver, mandam queimar, segregam, guetizam, soterram. A patrulha é justamente essa, eles invertem para poder exercer a censura a seu modo, jogo de cena, atravessam o quadro, trapaceiam como se fosse simples questão de opinião e não de censura a liberdade de criação artistica que o cinema do Glauber sempre sofreu. Tudo bem transvestido na velha babaquice, o gostei, não gostei, gostei não gostei… blablablá…

O absurdo de quem disse e as defesas de uma suposta liberdade de expressão contra a reação, o desagravo, é de deixar perplexo. (como se fosse uma censura ao que foi dito e não uma reação, uma liberdade legítima de quem ficou estarrecido com tal besteirol dos planetas com seus cassetas). Tudo isso só revela a intolerância cultural que nos cerca. Não importa o nome de quem, mas a manifestação já é por si só sintomática de um tipo de microfacismo de quem quer arrasar com tudo, queimar e barbarizar. Adoram defender a clamada diversidade cultural que tem se mostrado bem mais segregadora do que realmente múltipla, poli-diversa. Vomitam prepotentes uma diarréia ignorante de todos os nossos miserabilismo não reconhecidos; ignorantes da fome, narcisos e não orfeus, preparam mais uma vez o circo para a risada onipotente de suas merdas diárias pela TV e quando a cortina se abre, entram para tirar sua parte do banquete, "sim, soy um democrata, reformista das desigualdades!".

A questão não é de merda, mas da diarréia geral, ou diária, que advém da gula, da fartura desnutrida e não da fome, mas da gula dos comidos e da arrogância dos globais.

Mais uma gangue adentrou no palácio e tomou a meia lua que fica no planalto central e o globo mediterrâneo e os cinemas centrais, a tela e a plataforma do espaço. Uma vozover dos imperadores eletrônicos: "ora sou corrupto ora defendo a liberdade de expressão, posso ser vários personagens, ora faço pastelão ora sou intelectual, ora mando ver com o batalhão de choque, ora sou um travesti fantasiado de comediante que diz: I love money, I love ser um liberal, I love merda, me ama dizer tudo que pensa, eu sou mais um global dessa tragédia cultural."

*Pedro Paulo Rocha é cineasta e artista multimidia, filho de Glauber Rocha
Foto: cena do filme "Rocha que voa", de Eryk Rocha

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